terça-feira, 19 de outubro de 2010

O Som dos sons do vinil



Eu sou daqueles que tiveram o deleitoso e diria cansativo prazer de limpar meus discos de vinil com flanela e álcool. Tinha até uma impressão esperançosa de que os malditos riscos que faziam as músicas pularem fossem sumir com essa minuciosa e dedicada limpeza. No entanto, eles persistentemente engoliam frases e compassos, adicionando, sem piedade, chiados às canções.
Essa avassaladora paixão pela música sempre me impulsionou a certos devaneios, como o de ligar várias vezes para determinada estação de rádio para pedir minha música preferida. Às vezes tocavam, porém, eu só conseguia gravar em alguma já surrada fita cassete quando a música já estava pra lá da metade.
Tal inacessibilidade a certos autores tinha lá sua magia, pois nunca se tinha para ouvir tudo o que queria, até mesmo porque na minha cidadezinha do interior paulista, Mirante do Paranapanema, as novidades demoravam um pouco para chegar. E os velhos discos giravam incessantemente, lado A e lado B, diversas vezes, até surgirem os riscos provocados pela agulha do aparelho ou por acidentes casuais. Ah, e que saudade dos meus disquinhos coloridos de historinhas infantis!
Na memória ficam fatos engraçados, como o de quando minha priminha ainda bebê inventou de encerar o chão com o disco do Raul Seixas da minha irmã, que berrava: - meu Raullll, meu Raulll!
Meu grande deslumbramento infantil foi realmente na chegada do “três em um”, que meu irmão mais velho tinha trocado pelo seu primeiro carro, um Gordini cinza. Rodava vinis, tocava AM e FM e ainda gravava. Meu Jesus amado! Registrar algum som naquelas fitas era pra mim algo supremo; não via a hora de meus irmãos mais velhos saírem pros bailes para poder, na surdina da madrugada, fuçar em tão fabuloso aparelho. E ser surpreendido, por arte, claro...
Ficava horas fascinado olhando pra máquina e imaginando: ‘que delícia seria poder ver o artista numa telinha, quando colocasse o som pra rolar’. Contudo, isso era como se fosse um devaneio de uma tecnologia alienígena, o qual me faltaria anos de vida pra poder presenciar.
Surgiu o CD. Fui um daqueles que começara a coleção da mídia mesmo sem ter um toca-cds. Caprichos aos quais não poupei minhas economias, tudo em prol do meu amor musical.
Os anos passaram e pouco a pouco fui encostando meus vinis...
Impressionei-me com o surgimento do MP3. A possibilidade de trocas de arquivos por P2P via internet me deixou inebriado. Música de graça. CDs com mais de 600 músicas, depois DVDs com mais de 70 discos. Acessibilidade às minhas mãos.
A mania de gravar persistiu durante os anos e aos poucos fui abandonando a velha coleção de vinis que nunca mais sentiu o álcool e a flanela deslizarem e foi ficando escondidinha no quarto de despejos.
Hoje, a multiplicidade das possibilidades impediu vários discos de serem ouvidos depois de baixados, ou mesmo gravados. “Aquela” música está difícil de achar no meio daquela pilha imensa de dados. Ninguém mais pede emprestado nenhum disco para gravar, está tudo ali, na net, em plena disposição, queiram ou não os detentores dos direitos autorais.
Aí, algumas bandas e músicos, utilizam o saudosismo para lançarem em vinil, juntamente com o cd, seu novo disco. DJs também tentam resgatar tal obsoleto objeto. Então, descobri que, na verdade, o que dava “corpo” e intensidade ao som eram as velhas válvulas dos antigos aparelhos.
A tecnologia da minha imaginação infantil já é totalmente possível, assistimos clipes nos novos aparelhos de som. A música está mais do que nunca ao alcance de todos. Porém, hei de confessar: gozo bom mesmo era ouvir Noel Rosa, com aquele chiadinho no fundo, dizendo a maior das verdades:
“- Quem acha, vive se perdendo, por isso agora vou me remoendo na dor tão cruel de uma saudade, que por infelicidade, meu pobre peito invade...”

                                                                                   Eder Quirino

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